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   Um porto para viagens, uma casa próxima para os pescadores. O estuário do Tejo atrai a fixação de populações humanas desde a pré-história devido à biodiversidade que nele habita. Há indícios de exploração dos recursos do tejo, nomeadamente pelas conchas de bivalves, desde há mais de 10 mil anos.

   José Lino Costa -  biólogo marinho, vice-presidente do MARE (Centro de Ciências do Mar e do Ambiente) e membro do conselho estratégico da Reserva Natural do Estuário do Tejo (RNET) - explica que a diversidade  e a grande riqueza em termos biológicos do estuário devem-se ao facto de ser um ponto de encontro entre o Oceano Atlântico e o Rio Tejo.

Foto cedida por José Lino Costa

   O encontro de água doce e salgada, promovem uma grande diversidade de espécies que passam, sobretudo, pelos molúsculos bivalves e peixes. Tem características particulares, como nos explica o biólogo: está numa zona de transição biogeográfica, ou seja,  “tem influencias das espécies do Norte da Europa, do mediterrâneo e do Norte de África”, misturando as faunas e floras dos dois locais; as baías que o rodeiam geram um conjunto de habitats.

  Apesar da vasta extensão (maior área no mapa que se segue), apenas parte está abrangida e protegida pela Reserva Natural do Estuário do Tejo (até à Ponte Vaco da Gama área assinalada dentro do espaço maior).

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   A sua extensão e localização leva a que seja um ponto fácil de pesca. Nos últimos dezoito anos, a captura de animais e a quantia pescada na região do estuário têm-se alterado drasticamente. 

   A ocupação ao nível de pesca, remonta para “tempos imemoriais”. Mas, o aumento percentual de capturas não corresponde ao das comunidades piscatórias, que têm diminuído ao longo das décadas.

   No entanto, José Lino Costa destaca que o estuário ainda alberga várias “comunidades piscatórias, em diferentes sítios, particularmente relevantes, e com um grau de dependência dos recursos existentes”. Segundo os censos elaborados em 2011, a população residente e empregada com atividade económica na pesca correspondia a 1 803 trabalhadores.

   Francisco Simãozinho teve “a infelicidade de nascer dentro de um barco”. Aos 50 anos, não conheceu outro ofício: “Fui aprendendo com o meu pai, com o meu avô. E desde que me conheço por gente sempre fiz só pesca e cá continuo.”

   Morador de Benavente, tem como porto o Sorraia, onde pesca pelos canteiros de arroz. Ao longo dos anos, Francisco viu o rio “morrer”. Decidiu deslocar-se até às margens de Lisboa, onde pesca corvinas, robalos e polvos.

Foto cedida por Francisco Simãozinho

   Pela pesca nos canteiros, preocupa-o os químicos utilizados no arroz. A comunidade reconhece que os canteiros se tornam um perigo, apesar dos subsídios recebidos para a não tratarem as culturas com venenos.

   Descreve-nos um caso de bioacumulação: “Com os produtos utlizados morrem os sapos e lagostins. Os peixes que se alimentam deles morrem. Depois vão as aguias e outros bichos comer aqueles que já estão contaminados. É uma bola de neve.” A falta de poder para alterar a situação, leva a que a única solução ao seu alcance seja ir para os rendeiros onde ser produz arroz para papas de bebés: “Como é para crianças, não podem adicionar produtos, porque depois são feitas análises e se acusar algum químico é rejeitado.”

Foto cedida por Francisco Simãozinho

   José Lino Costa, vê soluções que resolveriam o problema sem que afete a produção agrícola, mesmo que fosse mais solucionável se “o caso fosse com uma fábrica”. Os cuidados passam pelo planeamento e pelas boas práticas: “O planeamento passa por ter atividades agrícolas que não vertam diretamente para o estuário; as boas práticas ao utilizar fertilizantes com  menos impacto ambiental e em menor quantidade”. 
   A quantidade de químicos, por exemplo, podia passar pela ministração de produtos de forma mais direta, ao nível do solo, e não com aviões – que ficam inclusivamente mais caros. 

   Apesar das sugestões, as indústrias e a agricultura são um dos maiores problemas do rio. Desde a entrada na União Europeia, José Costa Lino diz que, através dos estudos que: “A poluição é um problema, mas atenção, o estuário do tejo, como a maioria dos outros estuários em Portugal, melhorou bastante.”

   O relatório publicado pela QUERCUS - Associação Nacional de Conservação da Natureza - em 2017, apontava as microalgas como responsáveis pela mortalidade das espécies animais: a absorção de toxinas repercutia-se depois na alimentação dos seres vivos.

   Uma das coisas que melhorou, ao ver do biólogo, foi a construção de Estações de Tratamento de Águas Residuais, mesmo que “não funcionem tão bem quanto deviam”.

   Destaca que “grande parte da poluição do tejo é muitas das vezes aquela que já ficou nos fundos aquáticos e quando os sedimentos são mobilizados de volta, esses poluentes vêm à tona”. Algo que acontece sobretudo na cala norte ou baía do barreiro.

   A pesca desportiva chegou à vida de Benedito de Almeida, trabalhador na construção civil, quando veio do Brasil. Residente no Montijo, o Tejo foi o sitio em que ganhou “o vício” ao ser desafiado pelos amigos.

Foto cedida por Benedito de Almeida

  Vê a pesca como uma forma de aliviar o agitação do quotidiano. Sempre teve o cuidado com o lixo como propósito, apanhando o lixo dele e dos outros, tanto com a filha, quanto com os companheiros do seu grupo 45º graus estibordo.

   Benedito de Almeida destaca que no Tejo pescava corvinas, dourada, robalos, chocos e polvos. Mas admite que a escassez da espécie se vem acentuando ao longo do tempo. Após ganhar a prática, decidiu que o rio era muito pequeno e partiu para o mar.

Foto cedida por Benedito de Almeida

   Entristece-se com o facto dos jovens se desinteressarem pela pesca. Entre os 1524 pescadores matriculados, e dos quais 250 nas águas interiores, na Área Metropolitana de Lisboa, vemos que a faixa entre 16 e os 54 anos é aquela que tem o menor número de pessoas.

   A falta de licenciamento, segundo Benedito, não passa pelo preço, que “não é assim tão caro, mas sim por desleixo”. Para a pesca apiada e de barco são 50€ anuais e embarcado 5€ por dia. Na Área Metropolitana de Lisboa,  estão apenas 321 pescadores e apanhadores licenciados em  2019.

   Francisco Simãozinho afirma que, ao pescarem sem licença, tiram partido de um meio que para eles tem um custo acrescido: “somos obrigados a ter licença, a ter as redes identificadas, a passar faturas... A usar tudo e outros não fazem.”

   A “falta de responsabilidade” passa também pela ausência de controlo.  Benedito, admite que a Polícia Marítima nem sempre faz essa vigia, e que apenas a viu “ mais apertada durante a altura da  COVID”.

   A falta de fiscalização passa por vários fatores, explica José Costa Lino. Quando “as pessoas não prevaricam, é necessário haver boa fiscalização”, no entanto, a ausência de verbas para o efeito impossibilita um melhoramento do serviço.

   Em destaque estão outros fatores como a falta de “pessoal suficiente para o fazer e muitas vezes não é bem feita”. As falhas passam por “algum compadrio”, que está entre o não prejudicar quem tem pontos rendimentos e o “receber dinheiro por fora”, e a falta de conhecimento, “se a espécie, a forma, o tamanho são os certos”. Apesar dos defeitos na inspeção, acredita que a solução para os problemas passa pela formação dos próprios pescadores.

   Para o biólogo, a preocupação na captura ilícita não está na pesca, mas sim nos marisqueiros, onde se inclui a apanha da ameijoa japonesa. José Costa Lino refere que, em pesquisas recentes em que participou, apesar de estarem apenas 200 pessoas licenciadas, há cerca de mil e oitocentas pessoas envolvidas na apanha.  

   A ameijoa japonesa é uma espécie exótica, ou não indígena, ou seja, que se transporta até ao estuário principalmente através das aquaculturas e navegações - nas águas de lastre ou agarradas aos cascos dos navios. Quando se instauram no novo habitat, competem com as espécies nativas, chegando a eliminá-las. Assim, o problema não reside na apanha, mas nos efeitos que esta tem.

   As necessidades são não só importantes para o estuário, mas para a própria conservação humana: “Vivemos momentos de emergência e não estou a falar do coronavírus, mas sobretudo no que toca às alterações climáticas, que são uma bomba relógio.” Afirma que até 2050 “temos um desafio muito grande”, devido à previsão de um aumento de cerca de 50% da população mundial: há que criar alimento e condições para o futuro, e as opções para o buscar escasseiam.

   O aperto da legislação que leva a uma maior proteção no que toca às medidas de conservação ambiental. O aumento da informação e do conhecimento, “em especial nos mais jovens”, leva José Lino Costa a acreditar que ao nível ecológico: “A situação melhore, ou pelo menos não piore, que se procure mais do que o lucro e beneficio a curto. É fundamental  assegurar que as gerações atrás de nós têm tão boas condições como aquelas que nos tivemos.”

   O trabalho foi ainda publicado no Público, numa parceria com a Rádio Académica ESCS FM, enquanto episódio radiofónico do Repórter 360º e ainda numa versão mais curta no P24:

Janeiro de 2021 por Mariana Serrano

Jornalismo Visual (3º ano)

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