
Maria nos estúdios da Antena 1
Pelos bastidores das redações
Ana Rita Silva, Andreia Simão, Mariana Serrano, Paula Suaila e Romina Barreto
Maria Santos tem dezassete anos. É estudante do 11º ano no curso linguístico-humanístico, na Escola Secundária José Gomes Ferreira, em Benfica. Aspira a ser jornalista e, desde o início do ano letivo de 2020/2021, integra o projeto Academia da Leitura do Mundo da Fundação Calouste Gulbenkian. Desde então, sentiu uma abertura de janelas no que toca à literacia mediática. Confessou que embora soubesse “que havia vários tipos de jornalismo”, não sabia que se debruçavam sobre a “economia, política, desporto de maneira tão aprofundada”.
Mesmo com algumas respostas, muitas foram as questões que ficaram. Para colmatar as inquietações, levámos a aluna do ensino secundário a falar com quem sabe. Nesta viagem pelos bastidores das redações, tornámo-la numa repórter e integrámo-la na nossa equipa. Damos assim a conhecer o mundo da rádio, da televisão e da imprensa escrita pelas vozes dos jornalistas que nos trazem diariamente a informação. Como disse Maria às portas da sede da RTP, “pode ser o início de uma grande jornada”.
Frederico Moreno: “Não há coisas iguais no jornalismo, todos os dias nós vamos
chegar e ter uma surpresa”
Frederico Moreno é jornalista e editor da equipa da manhã da Antena 1. Foi fisgado pelo jornalismo e por uma crescente paixão, ainda quando estava no 12º ano, numa ida com a turma aos estúdios da SIC, na altura, em Carnaxide. Ao ver a agenda do jornalista, aperceberam-se de um horário preenchido: “de manhã tinha uma saída em reportagem com o primeiro-ministro e à tarde tinha uma manifestação de operários de uma fábrica que tinha fechado." Para Frederico, é necessário compreender que “não há coisas iguais no jornalismo, todos os dias nós vamos chegar e ter uma surpresa; ter que tratar de um tema que nunca tínhamos tratado antes.”
Há cerca de 15 anos na emissora de radiodifusão do grupo RTP, já desempenhou várias funções na rádio. Já fez coberturas em diversos países e eventos, como é o exemplo do campo de refugiados em Calais, em França, ou na Grécia, “onde havia, na altura, da austeridade, manifestações violentas.” Acompanhou as eleições norte-americanas, assistiu a comícios de Barack Obama e esteve no estádio quando Portugal ganhou o Euro 2016. Estudou Jornalismo na Escola Superior de Comunicação Social e, desde então, passou pela TSF e esteve ainda pela RTP no Porto.

Frederico a mostrar o episódio apresentado no E2 em 2019
Há dois anos que Frederico Moreno é o líder da manhã e dá a palavra final ao alinhamento. O jornalista explica que ser editor da equipa que informa no prime time da Antena 1 é “um cargo de enorme responsabilidade”. Passa por ter um conhecimento transversal daquilo que é informação e daquilo que é a atualidade. Destaca a importância em termos de sensibilidade para temas da cultura, do desporto, da política, da economia e da saúde pública: “No fundo temos que saber um bocadinho de tudo para depois, quando chega a altura, termos a capacidade de fazer a distinção entre aquilo que é fundamental darmos no noticiário e aquilo que não é assim tão importante. É algo que se vai trabalhando e implica ler muito e estar constantemente colado àquilo que é informação.” O dia começa cedo.

Escolher a importância das notícias
Frederico salienta que outros fatores cercam os desafios quotidianos que o seu cargo acarreta. Um dos maiores passa por tentar tornar a informação interessante para o ouvinte, criando noticiários dinâmicos que o surpreendam. Para isso, é necessário que os formatos se alterem, através do intercalar de diretos com notícias curtas, peças de jornalistas e sons: “No fundo criar uma montanha-russa de notícias em que o ouvinte fique sempre ali agarrado, do princípio ao fim.”
No período pós laboral, o jornalista diz que dormir a sesta ajuda bastante, porque, enquanto editor, não se pode deitar às sete da tarde – tem de ver o jornal da noite e, muitas vezes, “as notícias que estão a marcar a atualidade às dez, onze da noite”, uma vez que sabe que, no dia seguinte, vai acontecer algo em que pode pegar e sente-se mais preparado para depois agarrar a manhã. “Só depois é que posso ir para a cama mais descansado.”
"Um bom jornalista é alguém que gosta verdadeiramente disto, porque é difícil fazer jornalismo de qualidade se nós não estivermos verdadeiramente empenhados."
Apesar dos desafios e sacrifícios que a profissão de jornalista acarreta consigo, Frederico Moreno diz ser um trabalho compensador: “É o horário mais ouvido da rádio”, o que significa ter centenas de milhares de pessoas a escutar a Manhã 1 todos os dias: “É difícil perceber, mas nós temos mais ouvintes do que os canais de notícias têm na televisão e isso é muito compensador, porque as pessoas, de facto, ouvem-nos e eu acho que nos têm também como alguma referência de jornalismo de qualidade que consegue informar e ao mesmo tempo entreter.”
Com o despoletar da crise sanitária, a população estava preocupada e “sedenta de informação”. O que é a Covid-19? Quais são os sintomas? Como é transmitido? Com notícias científicas que circulavam a uma velocidade vertiginosa, este tema consumiu muitas horas de rádio.
Para Frederico, ao longo da carreira jornalística, não há apenas um único desafio, mas vários. No entanto, considera ser esse o fator que torna a profissão “tão apaixonante”. Acrescenta a qualidade indispensável para um jornalista.

Qualidade que não pode faltar num jornalista
Para quem quer enveredar pelo caminho do jornalismo, Frederico destaca: “É preciso ter paixão. Muito se resolve se nós tivermos paixão por isto. Acho que não há melhor conselho que eu possa dar, porque eu noto quem verdadeiramente gosta disto, dedica-se de uma maneira de corpo e alma e está constantemente ligado.”
Inês Martins: “A rádio é falar ao ouvido das pessoas”
Inês Martins estagia na Antena 1 desde o início de 2021. Antes, passou pelas redações da Rádio Observador, do Sol e do I. A rádio sempre foi um fascínio e admite a felicidade quando soube que ia “finalmente ter oportunidade de falar ao microfone” que é aquilo de que gosta de fazer. Recém-licenciada do curso de Jornalismo na Escola Superior de Comunicação Social, é ela que nos abre a porta para conhecer a emissora pública nacional.
O curso foi uma importante ferramenta para a preparar, sendo “uma licenciatura muito rica”. Professores “marcantes que estiveram no mercado de trabalho”, ou ainda estão, mas também o “pessoal mais velho”, que está anos à frente no curso. Destaca o especial papel dos núcleos da ESCS: “Se voltar atrás e se eu pensar como é que teria sido a minha licenciatura sem os núcleos, eu acho que teria aprendido um terço daquilo que eu sei hoje.”
Inês diz que “a rádio é falar ao ouvido das pessoas”, uma afirmação que “pode parecer clichê”. Assegura que, quando o tempo lhe permite, “numa notícia um pouco mais complicada” – dando o exemplo do excesso dos números – tenta facilitar a mensagem.
“Estou a falar para um empresário, que até percebe destes números, mas também estou a falar para Dona Maria do café, que tem o quarto ano.”
O maior cuidado que um jornalista deve ter é a redução. “Há uma notícia que chega e, em vinte minutos, se o editor nos pedir para fazer uma peça de um minuto e meio – um papel como nós chamamos – temos de ter a destreza de parar um bocado para pensar, ler bem as coisas devagarinho”, sublinha. Inês confessa que no início do estágio dava por si a “stressar com o tempo”, o que a levava a cometer erros que, por vezes, passavam apenas pela má pronúncia de uma palavra. Assim, surge um sentido de responsabilidade que não tinha na licenciatura: “Olha quando fores para o mercado de trabalho vais estar a escrever ou a falar para milhares de pessoas”, e tal falha, seja “dizer mal um nome ou um número” pode induzir outras tantas pessoas em erro.

Como se dá o cunho às notícias
Entra na redação antes das seis da manhã, para uma reunião onde são delegadas tarefas. Nas suas palavras, o seu trabalho está na atenção ao mundo que a rodeia, no fazer contactos - para diretos - ou nas gravações de conversas e na elaboração dos devidos cortes. “No fundo é responder um bocadinho às necessidades que o turno exige. Ainda por cima turno da manhã, o primeiro, que se costuma dizer que é o prime-time da rádio.”

Cobertura de uma história da Bielorrussia
Maria questiona quais os altos e baixos do estágio. Quanto ao que encara como menos desafiante, Inês destaca a necessidade de estabelecer certos contactos – mesmo sabendo que são essenciais para o bom jornalismo. Exemplifica os sindicatos no caso das greves: percebem quem “organizou essa greve para saber os motivos, como é que vai ser a adesão à greve, que serviços eles preveem que vão ser mais prejudicados”. Tal afazer revela-se relativamente “parado”. Mas ainda nas greves, encontra o seu ponto alto: o gosto de ir para rua fazer diretos. Mesmo sabendo que há apoio na redação, surge uma sensação de energia, proporcionada pela sensação do “desenrascar” e da necessidade de “um olhar mais atento”. É necessário garantir que, a determinada hora, há entrevistas e algo a dizer: “Microfone na mão, encontrar histórias giras e também sair um pouco da nossa zona de conforto. Depois há conversas que são muito interessantes que dão histórias boas.”
Aqui houve espaço para uma pequena demonstração do equipamento necessário e para lançar a Maria numa tentativa com o material adequado para diretos no exterior.

Maria experimenta fazer um falso direto
Maria deixa ainda a inquietação do que é ser jornalista para Inês. Destacando que ainda é estagiária, já passou por parte do que é ser uma profissional na área. Afinal, sê-lo é “Ao fim e ao cabo, um título para uma pessoa que está a caminhar para ser mesmo jornalista a sério.”

O que é ser jornalista para a Inês
Paulo Sérgio: “Não há democracia sem jornalismo, nem pouco mais ou menos”
Paulo Sérgio é jornalista e diretor-adjunto na Antena 1, tendo a seu cargo as antenas internacionais e a secção do desporto do grupo radiofónico da RTP. Para o profissional, o ofício representa “um sonho de infância”. Lembra-se de, em tempos de petiz, fazer os relatos dos jogos de futebol dos seus amigos, numa altura em que era a rádio o meio de comunicação de eleição dos portugueses – um título que, hoje em dia, passou a ser ocupado pela televisão. Seguiu a área de Direito na Universidade de Lisboa, mas o jornalismo “desde sempre que foi algo que quis fazer”. Ao longo da sua carreira profissional, passou pela Rádio Azul e pela TSF, havendo também feito o relato de jogos na TVI, na RTP e na SportTV.
“Ser jornalista para mim é cumprir um sonho”, confessa. Para Paulo, intermediar a informação, explicar aquilo que é importante ao público e “furar às vezes barreiras que alguém não quer que sejam furadas” são tarefas às quais atribui uma importância significativa. É precisamente neste contexto que considera que “não há democracia sem jornalismo, nem pouco mais ou menos”.
Numa conversa virtual via Zoom, Maria Santos teve a oportunidade de conversar com o jornalista Paulo Sérgio sobre a realidade vivida atualmente nas redações portuguesas.

Estúdios de televisão - RTP
“Apesar de estarmos em presença de uma indústria criativa, é muito rotineiro”, começa por explicar. O dia-a-dia na redação é pautado por reuniões marcadas sempre à mesma hora, entre as oito e as nove horas da manhã e, mais tarde, por volta do meio dia. Cada turno tem a sua reunião na rádio e, no meio televisivo, os turnos “são sobretudo marcados pelos grandes jornais dos canais generalistas, quer o Jornal da Tarde, quer depois o Jornal das 21h”. Tudo começa com a análise das agendas, com a leitura dos jornais e com o olhar para os briefings, havendo serviços que fornecem estas informações, e culmina com uma decisão final: “sai ou não sai uma equipa para ir fazer uma determinada reportagem? Se sai, a partir daí, está entregue ao jornalista e é já um trabalho criativo do próprio jornalista”, conta Paulo. Todavia, perante o tempo finito dos jornais, corre-se sempre o risco de o trabalho não resultar numa história e não ser publicado.
A seleção das notícias que vão para o ar assenta sobretudo nos critérios de noticiabilidade. “O critério de novidade, o critério de proximidade, os critérios que nós aprendemos para fazer jornalismo são os critérios que estão subjacentes a qualquer tomada de decisão”, afirma o jornalista. O interesse público tem igualmente um peso importante no processo seletivo, existindo “algumas notícias que aqui há uns anos não eram notícia” devido ao interesse que os leitores, ouvintes e telespectadores passaram a nutrir por estas. Para Paulo, a transmissão do autocarro de uma equipa de futebol a fazer o percurso entre o hotel e o estádio tem “zero de notícia”; porém, “quem não fizer, e eu já tive essa experiência, não tem audiência”.

Gravações em estúdio - RTP
O jornalista defende que as redações, nesta altura, estão “muito depauperadas”, existindo um “gap geracional” como consequência da atual crise jornalística experienciada nos meios de comunicação portugueses. Por um lado, existe uma falta de “cabelos brancos” e de “memória” nestes espaços, visto que os profissionais mais velhos, que possuem uma maior bagagem de experiência, “estão a sair e não estão a ser substituídos convenientemente” e “por razões às vezes mais economicistas do que propriamente de saúde”. Vive-se, por outro lado, a chegada de jovens recém-licenciados “a conta gotas”, sendo que “não há dinheiro para os contratar”.
"Não há perguntas estúpidas nem difíceis. Há é respostas muito complicadas de dar."
Durante a conversa, ainda houve tempo para Maria vestir o papel de jornalista e colocar a Paulo Sérgio as suas questões sobre aquela que é a profissão que visa ingressar no futuro.
A partir de sua casa, a aluna do ensino secundário interroga o profissional sobre o impacto das novas tecnologias no exercício do jornalismo – uma pergunta à qual Paulo prontamente responde: “Maria, enorme. Absolutamente fundamental”. Nos dias que correm, existe uma maior facilidade em termos de transmissões, sendo que, com o surgimento dos telemóveis por satélite e da Internet por satélite, é “quase impossível” não conseguir “fazer sair um serviço” a partir de qualquer local no mundo.

Inês Martins - Antena 1
Com o advento do desenvolvimento tecnológico e da Internet, as fronteiras do tempo e do espaço diluíram-se e, com isto, levantam-se novos problemas na área do jornalismo. Paulo Sérgio recorda tempos precedentes em que as peças que fazia eram somente difundidas no dia seguinte. “Tinhas tempo para pensar, para fazer, para escolher as imagens, para escolher o texto, para escrever”, conta o jornalista. Hoje em dia, a realidade vivida nas redações é assinalada pela urgência. “Tudo aquilo que fazes é para o minuto anterior e, portanto, a tecnologia veio avançar isto de forma absolutamente inacreditável e, inerente a isso, os erros passaram a ser muito mais frequentes do que eram antigamente, exatamente porque, às vezes, não há tempo sequer para pensar”, sublinha. A “melhor peça” passou a ser aquela que “vai para o ar”, independentemente da sua qualidade.
Uma outra questão que intrigava Maria era em que consistia o perfil do jornalista. “Sobretudo muito curioso, Maria”, responde o profissional, “É como se estivesses na idade dos porquês”. Para Paulo Sérgio, um jornalista precisa de fazer tantas perguntas quanto uma criança de três anos. Porque é que é isto? Porque é que é aquilo? Tem de fazer questões e “andar a cheirar” no terreno, fazendo-lhe “confusão” os jornalistas que nunca saíram de uma redação. Ir aos locais, sentir os cheiros e conversar com as pessoas são ações essenciais no exercício do jornalismo. Dirigindo-se à aluna do ensino secundário, reforça a seguinte lição: “Lembra-te de uma coisa. Não há perguntas estúpidas nem difíceis. Há é respostas muito complicadas de dar”.

Maria em visita aos estúdios da RTP
Embora acredite na importância da especialização, os primeiros anos de um jornalista deverão ser passados nas diferentes secções do jornalismo de modo a abordar uma diversidade de assuntos, elaborando peças sobre política, economia, desporto, sociedade, etc. “Temos que ser um bocadinho como os médicos. Primeiro, os médicos são clínicos gerais e depois é que fazem a sua especialização”, argumenta Paulo. “O jornalismo é exatamente igual”.
O profissional destaca a importância de estudar a atualidade enquanto um conselho para futuros jornalistas. “Sabes qual é o único sítio onde o sucesso vem antes do trabalho?”, pergunta Paulo à jovem aluna. “Só há um sítio. É no dicionário. Não há mais nenhum sítio e, portanto, tens que trabalhar muito”, assinala.
Teresa Abecasis: “É preciso ter uma grande responsabilidade para estar nesta
profissão”
Teresa Abecasis é, atualmente, jornalista da secção de multimédia no Jornal Público. Antes de lá chegar, passou por outros órgãos de comunicação social portugueses e experimentou outras áreas jornalísticas, como a rádio. Ao longo dos anos, foi granjeando para si credibilidade e reconhecimento. Prova disso são os prémios jornalísticos com que foi distinguida, dos quais se destacam o Prémio Fernando de Sousa e o Prémio Gazeta Multimédia, em 2019 e 2016 respetivamente.
Para Teresa, ser jornalista é muito mais do que aquilo que faz diariamente. É, conforme acredita, sinónimo de responsabilidade social e verdade. Pelo menos é assim que encara a profissão que abraçou. Chama a atenção para o facto de o jornalista ser um mediador que tem a dupla responsabilidade de influenciar a opinião de quem vai ler, ouvir ou ver um trabalho jornalístico. Nesse sentido, fazer jornalismo é algo que deve ser tratado com pinças. “É preciso ter uma grande responsabilidade para estar nesta profissão”, começa por dizer Teresa Abecasis. “Na verdade, aquilo que nós fazemos e aquilo que nós dizemos pode ter muita influência na vida das outras pessoas e, às vezes, podem ser coisas pequeninas, não têm de significar grandes mudanças na vida das pessoas. Temos de ter muita atenção naquilo que fazemos e na forma como isso vai influenciar a visão do mundo dos outros”, argumentou.
"Para o online, às vezes, há a tentação de publicar as coisas com mais pressa, fazer menos pesquisa, por causa também da tentação de ser o primeiro a dar [a notícia]"
Em 2007, quando Teresa Abecasis dava os primeiros passos no jornalismo multimédia na Rádio Renascença, Maria Santos tinha três anos de idade. Em 2021, as duas haveriam de se cruzar para conversar sobre jornalismo. A aluna do ensino secundário interpelou, na qualidade de entrevistadora, a jornalista do Público, no sentido de ver respondidas algumas das suas inquietações enquanto aspirante a jornalista. Afinal, qual o maior desafio que um jornalista tem de enfrentar? Teresa Abecasis é da opinião que um dos maiores entraves ao jornalismo passa pela questão da desinformação, algo que cabe ao jornalista combater através da apresentação de trabalho consubstanciado em fontes credíveis, de forma a deitar por terra as notícias falsas que lamenta estarem cada vez mais na ordem do dia.
Em geral, Teresa acredita que tem de haver sempre um cuidado com a informação que é produzida e nos trabalhos que são feitos. “Para o online, às vezes, há a tentação de publicar as coisas com mais pressa, fazer menos pesquisa, por causa também da tentação de ser o primeiro a dar [a notícia]”, revela a jornalista. Deve-se ter especial cuidado com o facto de ser um meio tão imediato a ponto de “não conseguirmos confirmar bem as nossas histórias ou até procurar outras histórias”.

Conselho para quem quer ser jornalista
Da sua experiência na redação do Público, garante que não é assim tão fácil tratar um conteúdo multiplataformas. Por vezes, assuntos de multimédia tornam-se mais difíceis de trabalhar do que todos os outros. A razão apontada para tal passa pela falta de recursos existente no meio.
No que concerne ao tempo de antena dado à Covid-19, algo que intrigava Maria Santos, Teresa considera necessário haver um equilíbrio para, desse modo, poder abranger todos os assuntos importantes, mas sem nunca esquecer a atualidade: “Há sempre o lado dos meios de comunicação social que eu acho que é importante continuarem em cima deste assunto, sobretudo numa altura em que nós vemos que os números continuam a subir, mas sabemos também que as pessoas já estão um bocado cansadas do tema. Já estão um bocado a relaxar em relação às medidas de distanciamento social. Se nós deixarmos passar o assunto, eu acho que estamos a perder aqui alguma responsabilidade de alertar, de avisar e de chamar a atenção para isto”, evidencia e esclarece que compete a cada cidadão ter a capacidade, através do seu espírito crítico, de distinguir o trigo do joio. Contudo, Teresa reconhece existir demasiada informação, da mesma forma que aponta que o consumo de notícias não segue um padrão base, sustentando que o mesmo é consumido por “várias pessoas de maneiras diferentes e em momentos diferentes”.
Por falar em momentos, atendendo à atual situação pandémica, as próprias rotinas nas redações de imprensa escrita adulteraram-se do dia para a noite. No período anterior ao despoletar da crise pandémica, a redação do Público era movimentada e o rebuliço uma constante. Algo que faz falta à jornalista de multimédia, pelo contacto entre colegas e conversas sobre projetos que estavam a ser desenvolvidos que se perdeu. A principal privação é não conseguir acompanhar o trabalho que está a ser desenvolvido por outras secções como antes acontecia. Não obstante o dia-a-dia continua a ser muito variado: “Na semana passada, na 2ª feira, comecei por ir fazer um trabalho com o local [secção] em que fomos filmar golfinhos ao Tejo. Depois, na 4ª feira, tínhamos um programa de cultura. Fomos filmar esse programa e, ao mesmo tempo, estou a fazer outras reportagens, portanto é um bocado encaixar todas essas histórias no meu dia-a-dia”.
Apesar da conjuntura atual e das diversas crises que o jornalismo foi enfrentado, com reduções na redação ao longo dos anos, não é caso para desistir porque, de acordo com aquilo que Teresa afirma, as oportunidades aparecem, ressaltando a importância de existir ‘sangue novo’ nas redações. “Vai havendo algum caminho que se vai abrindo também pelos jornalistas mais novos”, considera.

A qualidade que não pode faltar a um jornalista
Ruben Martins: “Esta dinâmica que a vida de jornalista tem é muito interessante e o
que eu mais gosto de fazer trabalhando num jornal é poder praticar
estes vários tipos de escrita”
Ruben Martins é um ex-escsiano e atualmente ocupa o lugar de jornalista no Público. É ainda o autor de diversos podcasts, entre eles o P24. Quando saiu da ESCS, tinha os olhos postos no universo da rádio e, aliás, conhecia muito pouco do jornalismo de imprensa, onde começou a sua jornada profissional. Foi nos longos dias de trabalho na SAPO 24 que esses conhecimentos chegaram e que o mundo do jornalismo se tornou mais claro. Nisto, tal como conta Ruben, surgiram coisas boas e más. O fascínio pelo jornalismo nunca desvaneceu, mas a rotina de um mundo mais restrito tornou-se complicada para o jornalista que, hoje, trabalha numa redação multidimensional. É através de podcasts, manchetes e atualizações online que continua apaixonado pela dinâmica que é o mundo do jornalismo no seu melhor.

Experiência académica
Ruben Martins está há um ano em casa, e a pandemia trouxe novas necessidades: a redação teve de ser montada em casa e, no seu caso, o estúdio de rádio foi também deslocado para o quarto. Não é fácil perder o ritmo que uma redação lhe trazia, porque, como conta, o mundo do jornalismo faz-se na redação. É o ambiente de uma sala cheia de pessoas, prazos para cumprir e chamadas para atender que permite que os lados negativos da profissão se desvaneçam por entre a energia de um novo dia, em que um jornalista nunca sabe quem vai conhecer ou que coisas novas vai aprender.

Experiências jornalisticas
O online tornou-se, nos últimos anos, numa presença constante no mundo do jornalismo. O leitor já não quer consumir o papel da mesma forma, quer seja por razões ambientais ou de comodidade, mas a verdade é que, tal como Ruben afirma, o mundo do online tem muitos aspetos distintos e, se oferece vantagens, oferece também inúmeras desvantagens que há que ter em conta.
"No final do dia saímos a saber sempre mais alguma coisa e com uma sensação de que ajudamos a sociedade também a inteirar-se do problema de alguém ou do problema de uma classe profissional ou de quem quer que seja e por isso é que nós cá estamos."
É certo que a possibilidade de informar o mundo ao segundo surgiu com o digital, e a rapidez com que a informação se pode confirmar também. Mas até que ponto as notícias podem ser desenvolvidas em contra-relógio?
Segundo Ruben a maior perda que o online trouxe para o mundo do jornalismo foi sem dúvida nenhuma o tempo. O tempo é vital na vida de um jornalista, tempo para pensar, tempo para rever e tempo para construir uma história concreta, exata e que não induza o leitor em erro. Hoje, esse tempo é escasso e por vezes a rapidez é inimiga do jornalista. Embora seja cada vez mais um critério “chegar primeiro e publicar mais rápido”, a qualidade continua a prevalecer.
Seguiu-se o debate clássico, referente às notícias falsas e a contra informação na Internet e, aqui, Ruben afirmou que estas realidades são atualmente duas das maiores preocupações para um jornalista.

Efeitos do confinamento
Hoje em dia todos usamos as redes sociais como elo de ligação à informação e aliada à rapidez dos conteúdos existe também um excesso de informação difícil de filtrar. “Imagina o que é ter 7 milhões de portugueses a produzirem informação dentro das redes sociais, é um bocado difícil filtrarmos o que é verdadeiro do que não é, mas é um trabalho que tens de fazer sempre, porque é o teu trabalho enquanto jornalista, filtrar a informação”, argumenta o jornalista.
O jornalismo é uma profissão de aprendizagem constante, e foi nesta nota que Ruben deixou um conselho para aqueles que, tal como a Maria, pensam seguir o ofício no futuro. É fundamental gostar “mesmo muito” da profissão, uma vez que esta não oferece “muito dinheiro” ou “horários fixos”. “Exige muito esforço da parte de quem a exerce”, afirma. O desafio do ofício é um fator “positivo para quem gosta de todos os dias ter experiências novas e abordar temas diferentes”; porém, sublinha a “precariedade” inerente à profissão.
Maria Santos: “Sabia o que era ser jornalista, mas não sabia o que é que um jornalista
fazia.”
Depois da panóplia de entrevistas voltamos a colocar o foco em Maria. Neste percurso, além da diversão, encontrou várias aprendizagens. Começa pelo conceito de redação, que até então lhe era desconhecido: não só na rádio, como na televisão e no jornal. Refere que percebeu pequenas coisas como, por exemplo, ver o que está por detrás de um estúdio de televisão, ou até como eram feitas pequenas chamadas telefónicas na rádio.

Chamada telefónica na rádio
Surpreendeu-a a preparação necessária. Desde os horários matutinos a emissões que não interrompem durante a madrugada e à necessidade de estar sempre informado. Afirma que “sabia o que era ser jornalista, mas não sabia o que é que um jornalista fazia”, não fazendo ideia de que seria “um trabalho tão atarefado como é, que provém de muita pressão.” Maria conheceu um pouco de tudo, percebendo de onde vêm as notícias e o porquê de chegarem às mãos do público de determinada forma, com certos temas. Até a insistência no que toca à Covid-19, por muito “chato” que possa parecer para o público em geral: “porque é um tema que é preocupante, que é perigoso ao longo de todo o mundo.”
Para o futuro, tem agora o jornalismo como uma certeza maior. Os olhos brilham ao ouvir a mera suposição de voltar à RTP como estagiária. Quanto à área que quer seguir, deixa que o tempo a faça tomar uma decisão.